Padre Zé inscreveu-se num curso
de reciclagem teológica. A viagem até Lisboa era longa e resolveu ir de
autocarro. Sempre era mais barato e podia ir mais tranquilo, até porque não
conhecia muito bem as ruas da capital. As aulas eram ministradas apenas de
manhã. À tarde, geralmente, aproveitava para conhecer os lugares que só via na
televisão.
– (entra e senta-se) Desculpe!
– Não tem
importância.
– (abre a mala, procura alguma coisa)
Desculpe mais uma vez. Pode emprestar-me a revista do jornal?
– (olhando-a fixamente) Claro!
– (Perturbada) Obrigada.
– Vai para o
Oriente…
– Sim. Como
sabe?
– Tenho-a
visto a sair lá.
– (Admirada) A mim? Já me viu outras
vezes?
– Todos os
dias. Entra em Moscavide às 06h55 e vem até Alcântara. Depois regressa às 17h20
ou 17h40 e sai na Estação do Oriente, mas vai mais no das 17h20.
– (Surpreendida) É verdade!
– Mas tenha
calma. Não sou detective.
– (tom de brincadeira) Por momentos até
pensei!
– Peço desculpa
pela ousadia. Não a queria perturbar. Embora… confesso… precisava dizer-lhe
isto. Não me pergunte porquê! Não saberia responder-lhe…
– Espere!
Estão-me a ligar… oh, parou… é só uma mensagem.
– Estamos em
Entre-Campos, já não falta muito para si.
– Pois…
talvez...
– Não saia!
–
Desculpe?!?
– Desculpe
você. Excedi-me! Não queria dizer isto!
– O comboio
hoje está vazio… por que me olha assim?
– Não sei…
sei… no outro dia… desculpe… não… não…
– Fale.
Quero ouvir. Sinto que o conheço! Não percebo!
– Você é linda…
– Então?
– Não! Não!
Não nos conhecemos, eu sei, mas é como se a conhecesse há muito. Vejo-a todos
os dias…
– Pelos
vistos, já me conhece todos os passos…
– Linda… tão
linda… nunca vi mulher igual!
– Você está
a deixar-me sem jeito.
– Vamos.
Vamos sair na próxima estação, os dois?
– Sim! Não…
não… não pode ser! Não o conheço.
– (Exaltado)
Oriente! Saímos?
– Não! Na
próxima!
– Estranho.
O comboio parou. Saiu toda a gente…
– Espere…
não saia.
(...)